terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Exclusão

Há muitas formas de exclusão. Lembro-me que voltava de um dia de estágio em Mauá, comunidade carente, gente sofrida. Parei na estação de trem de Sto André para tomar um café. Estava pensando sobre a nossa sorte. Que não é má, talvez faltosa. Como eu gostaria de levar uma melhoria significativa àquelas pessoas...como eu gostaria de mudar minha própria situação. Minha motivação na Educação Física é uma esperança. Dias melhores para todos. Dias de oportunidades. Estava viajando para um futuro próximo quando fui tocado : _ "tiu, me paga um café?". Perguntei o nome do meu mais novo amigo de 7 anos e pedi um café no capricho para ele. Ele me falou um pouco de sua vida na rua, e me veio a comunidade onde eu estagiara e como tudo se torna uma extensão das pessoas. As ruas têm nossos rostos. Eis as placas com os nomes. Ao término do café me despedi e disse que além de um prazer estar com ele desejava-lhe boa sorte. _Sorte!"Eu tenho muita sorte". E com um sorriso sujo e feliz, com aquelas falhas nos dentes típicas de crianças levadas meu pequeno amigo partiu. Saiu correndo entre a multidão mas não desapareceu de minha lembrança. Quando ele disse que tinha muita sorte, tive que me conter para não chorar na frente dele. Aí bate uma revolta. Há saqueadores que roubam o futuro. Muita gente com tanta " sorte " não reconhece a sorte que tem. Não vê a possibilidade de inclusão, de compartilhar o sucesso, a afetividade, o conhecimento. O discurso hipócrita de tirar a criança da rua, as assistências que se enriquecem prestando esse serviço...eles dão a fome para a sociedade e depois vendem a comida. É assim que funciona, cada ong, cada projeto, com o financiamento, a doação, a colaboração são véus para interesses particulares de seus criadores, mantenedores, diretores. A ong e o projeto tiram da sociedade que serve a mobilização. É assim: eles se mobilizam para te mobilizar, mas na verdade você não se mobiliza. Você paga, doa, entrega algum bem material ou não. É o sistema. Máfias e máfias. Os beneficiários do discurso da intervenção social são esses caras aí...que vão para a rua fazer média, aparecer na imprensa, dar entrevistas recheadas de pesquisas e citações. Uma bosta muito fedida no seu caminho, no meu caminho cidadão. Corruptos bem educados e com seus esquemas de enriquecimento cobertos por poderes acima e desconhecimento da população. Precisamos de informação séria e não superficial sobre os nossos direitos e o que está sendo feito com nossas contribuições. " Vamos tirar a criançada da rua". A rua é das e para as crianças. Se na cidade grande ela é dos carros e não das brincadeiras, os carros que cedam.
O que é a rua? A rua é moradia. Não há espaço mais democrático do que a rua. Por que tirar as crianças da rua? Porque a rua foi dada aos traficantes, aos bandidos, virou gaiola para cobaias que são usadas por instituições. O povo saiu da rua. A rua não mais é o palco das manifestações populares. A rua é entre a calçada da polícia e a calçada do bandido. E o tráfego, o congestionamento é de pequenos, pequenos futuros. Lamentável. Para ir para a rua que é sinônimo de podridão em casa a criança teria que sofrer muito. E sofre. Sofre principalmente pela falta de educação dos adultos.
O ser humano não reconhece as carências do essencial. Crê que o essencial é ser alguém importante em vez de alguém que se importa. Ele se exclui e depois aos outros. Começa na infância. Se o futuro do país são as crianças, como estamos tratando os pequenos? Como estamos tratando o futuro agora? Preocupante.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O que você espera de você?

Valor. Essa é palavra de hoje. Mas não é o que você valoriza que se constitui um valor. É a forma de valorizar, o reconhecimento. O que é importante para você é a importância que você dá a você mesmo. Se você acha que é importante ter um carro, o carro não é importante, é você que importa, você que se sentirá de alguma forma realizado com o objeto. O que você espera de você então? Como tem buscado seu valor? Como você se realiza? Observando, nós não nos realizamos, realizam-nos. "Estou realizado com isto"."Esta pessoa me realiza"-são lugares comuns de nossa realização. Há vida fora do óbvio! Podemos nos realizar , encontrando nosso verdadeiro valor. Não o que dizem que é , mas que sentimos que é e assumimos corajosamente frente à vida que não temos preço, temos valor. Ainda que matematicamente se diga que preço é uma medida de valor, e que tudo se troca, que todos temos um correspondente direto nos marcando e esse correspondente é o nosso valor ditado pela sociedade, nosso valor de fato talvez seja ínfimo. Apequenados pelo consumismo acabamos por acreditar que valemos o que temos. A vida é então adquirir bens, importâncias. Assim buscamos coisas que nos digam que somos importantes, amamos as pessoas que nos fazem especiais, diferentes e que nos valorizam. Compramos objetos e pensamos como objetos valiosos. Objetos animados e inanimados que se trocam.Tem gente achando que é coisa e tratando coisa melhor que gente. Ô mundo confuso!

Não sabemos quando fazemos por nós ou pelos outros. Não sabemos quando usamos os outros por nós ou nos deixamos usar para algum benefício. O que tem valor? De onde essa sentença vem? As coisas, as relações nascem com valor? Isso faz pensar que quando chegamos nesse mundo tudo estava pronto, a gente entra que nem leite na caixinha. A idéia de amor, de dinheiro, de troca, de família é a mesma com variáveis em todas as culturas. O ser é humano. Evolui e repete, evolui e repete...não sai do lugar apesar das conquistas. Esteja você onde estiver, saiba que os outros esperam alguma coisa de você. Mas saiba sabendo o que você espera de você. Isso é a diferença!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Temas transversais

Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo são os temas transversais abordados pelos PCN- Parâmetros Curriculares Nacionais.Transversais porque cruzam os diversos conteúdos, ou seja tornam-se comuns a todos eles. Assim as várias matérias abordam dentro de seus conteúdos os assuntos, as reflexões tão importantes ao cidadão que não poderiam faltar a escola. Se a Educação Física quer que esse cidadão se forme através do movimento também, não deixa de se perguntar sobre como fazê-lo dentro de seus conteúdos. É uma forma de trazer a realidade para dentro da escola e levar a escola para a realidade fora dela. Temas transversais não são problemas sociais que o governo e a sociedade não conseguiram resolver como já foi conceituado. Segundo o dicionário online tema: proposição-s. m., assunto que se quer provar ou desenvolver; proposição; exercício escolar para retroversão ou análise. E transversal:adj. 2 gén., que passa ou que está de través; colateral. Mas aí surgiria o contexto, de repente os problemas sociais se insiram. Sim. Porém temas transversais não abordam problemas em si. Abordam formas de conhecimentos que podem amenizar os problemas sociais fornecendo aos alunos um instrumental maior para exercerem a cidadania com consciência. Lembrando um belíssimo capitular do livro Educação Física Cuida do Corpo... E "Mente" de autoria de João Paulo Subirá Medina: A miséria do mundo: uma miséria das consciências. É mesmo. Nossas consciências miseráveis é que geram essa miséria mundial... soa platônico nos remetendo que a existência do mundo real parte do mundo ideal...tudo existe primeiro no mundo das idéias. Mas retornando à obra do João Paulo Medina, que nosso professor de metodologia e prática do ensino fala toda santa aula , ele define ( ele não aprecia conceitos), ele diz: " a consciência só pode ser interpretada como uma manifestação mental na medida em que esta, em última análise , seja entendida como manifestação somática". Como canta o Teatro Mágico porque é que a gente não junta tudo numa coisa só? Xô dicotomia! Sendo a consciência entendida como percepção de um si mesmo e do mundo, os temas transversais mostram assuntos indispensáveis para uma educação atual, significativa e ampla. São muito interessantes e me atraiu o fato deles mostrarem como a diferença e a interdependência convivem. Abrem um leque de relações entre si e abriram minha mente para uma série de descobertas e reflexões.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Parar para continuar

Não há como voltar. Mas para continuar as vezes temos que parar. Parar não será tão ruim. Tempo não será perdido, mas também não será economizado. Será direcionado para aprimoramentos e outros estudos, estratégia, captação de recursos e forças. As vezes a gente só vislumbra o horizonte porque parou. Muita coisa acontece. As vezes precisamos parar para um recomeço. É difícil estar indo bem e ter que parar. É difícil estar indo mal e ter que parar. Mas não há como voltar, só como parar. Continuar não é um risco, é preciso, mas não é possível. Tudo pode parar se a vida continua. A vida é a fonte. E o que não é possível não é impossível. Impossível é a palavra impossível.

Minha mãe, minha professora

Minha mãe foi minha primeira professora. Sempre em nossas conversas lembramos dos anos em que ela lecionou numa escola rural de nossa cidadezinha. Ela foi a primeira pessoa a dizer que eu devia sair mais cedo da lavoura para ir para a aula de Educação Física. Essas aulas de forma cruel aconteciam às terças e quintas nas três horas da tarde. Então as duas horas meu pai me liberava e eu descia prazerosamente numa corrida, as trilhas que saíam em estradas que me levavam para a aula. Havia sempre beleza nos meus caminhos. Paisagens que me faziam parar ainda hoje reavivam minhas lembranças. Dizia que aquelas aulas eram para meu desenvolvimento. Minha doce mãe, minha professora foi daquelas mães de deixar a comida queimar no fogo para participar das nossas estripulias... minha mãe deixa saudade nas ausências mais breves. Toda vez que ela deprime não há como não deprimir junto... dias incontáveis, horas intermináveis de angústia e ansiedade pelo reestabelecimento de sua maternidade ímpar. Eu sempre gostei de encontrar ex-alunos dela. Gostava de ouvir deles o quão ela fez diferença no processo de sua alfabetização e nas suas vidas. Aos dezessete ela tinha alunos de trinta anos e adorava essa situação pois dizia que sempre saía aprendendo mais do que ensinava. Sua carreira durou pouco, as irmãs vieram para a metrópole, ele se casou e se viu na oportunidade de mudar de profissão. Fez alguns cursos e se tornou enfermeira (tradição familiar). Mas na alma de cuidadora está latente a professora. Sempre na sabatina... sempre foi um desespero para meu pai. Exímia dançarina ensinou-me o que ela chama de "valsa verdadeira". Também me ensinou bolero e forró e falava dos bailes que seu pai o Maestro Zacarias promovia na região. Minha partner se aventurava no rock e na lambada sempre num espírito de descontração contagiante. A mãe sempre gostou de dançar." Dançar me faz esquecer até de mim"- certa vez me confidenciou. Foi uma alegria o dia em que minha avó nos iniciou no cateretê. Numa expressão toda sua a mãe de minha mãe disse: vamos tirar o saci do ninho! E eu que nem sabia que saci vivesse em ninho...vi aos sons de palmas e pés ela dançar um cateretê com muito charme. Com voz de anjo e tendo um pai Maestro cantava muito mais que músicas de ninar. Aos domingos ela era do coral da igreja. Sempre fora. Vivaz, no último casamento que fomos juntos me deu o prazer de dançarmos. Tive uma infância de muitos privilégios. Minha mãe foi minha primeira professora. Antes de ir à escola ela já se sentava comigo com um livro nas mãos. Ela brincava que eu era tão forte que podia erguê-la do chão e de maneira discreta apoiava-se nalgum móvel e se erguia dizendo:_como você é forte! Ela dizia que certas árvores eram um convite para subir. Subi à copa de muita árvores. Na minha adolescência o pomar de casa era a extensão da escola. Sob abacateiros e mangueiras fiz muitas lições. Em muitas tardes quentes ela ia ao meu encontro com um suco de couve ou uma limonada. Mas o que eu gostava era de fazer chover laranjas: convidava um incauto a colher laranjas que eu jogaria da copa. Chegando lá em cima eu chacoalhava os galhos e tome laranjada na cabeça. Minha avó vinha acudir o povo e as laranjas que se partiam de alta queda. E moer cana e café? Tudo manual. Nós torrávamos o nosso café colhido no pomar e o moíamos ora no pilão ora no moedor. Muita garapa adoçava aqueles dias também. Minha mãe muito "sábia" ensinava que socar café no pilão deixava as mãos e braços fortes. Isso era. Nossos cafés da tarde rondavam sobre fábulas e charadas. Quando me neguei a comer animais mortos, ela muito maternal me deu um livro de receitas vegetarianas que guardo até hoje. E ainda hoje ela pergunta: _nem um peixinho?_Não minha mãe mas fique à vontade... Lembranças felizes da infância não me faltam. Tive uma infância feliz e nobre. Em muitas de nossas conversas seu tempo escolar de aluna e professora deixavam-na orgulhosa. Sempre participativa quando não doente, ela adorava jograis, dramatizações, danças, jogos... era como se por ter cinco filhos ela fosse cinco mães. Estava em tudo e com todos, com o mesmo carinho e orgulho. Nossa casa sempre foi cheia de música e dança. Que não tenha sido nossa última dança. Muitos bailes nos esperam e eu tenho muito para aprender.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Significar

Há no ser humano uma vontade de significar. Significar implica em ser admirado, ter atenção, receber algum tipo de exclusividade que o faça sentir-se único. O ser humano, cada ser humano é mesmo único. Afastado dessa compreensão ele se embrenha em buscar coisas e comportamentos que o justifiquem neste mundo nosso. Ele busca uma identidade, uma verdade talvez imperecíveis, imutáveis mesmo ele sendo a metamorfose ambulante e finito. Morremos. Queremos ser notados, participarmos, estarmos presentes. Ora nossa fronteira se confunde em picos nebulosos da pele e da consciência. Não vemos pois, uma consciência nua, nem uma pele consciente. Queremos algo mais dentro e fora de nós. Algo que nos faça seguros. Que nos alimente o sonho de eternidade. Algo que descreia do tempo e das rugas que nos marcam o rosto. Há regiões do corpo em que a atenção deixa de chegar. O sangue deixa de circular por elas. A vitalidade cede. Como significar? Como ser especial sem alternar entre parâmetros individuais e sociais? Como ser sem ter para ser? O paradigma ser-ter. Onde um se afunila outro se alarga, o equilíbrio quase sempre é distante. Ser a partir de eu mesmo e do outro e juntos gerarmos um outro ser com significado distinto pessoal para ambos e para o mundo é o fio por onde a rede vital começa. Ser autêntico numa sociedade que valoriza e se estabelece por padrões é ir contra a corrente. Os valores vigentes nos enquadram. Já está dito como devemos ser. Nossas escolhas são opções que parecem nossas. Talvez nada seja o que parece ser. Parecer não é ser.
Significar é um querer ser mais. Ser mais o quê? Ser mais para quem? Ser mais para quê? Se tudo é efêmero como se manter nesse significado? Talvez a maior carência do ser humano seja a carência de significado. É por onde ele adoece somatizando desesperado a busca de si mesmo. Adoece, perde-se ainda mais pois não há o que buscar. Há que ser. É das mais herculíneas missões: o ser ser o que é. Mas ser também é um desafio quando se apresenta a inteligência como capacidade de adaptação. Nossa capacidade de mudar quando não fundamentada num ego pouco atuante nos faz joguetes nas mãos alheias. A liberdade de significar o que se escolhe eis o viés. Mas será que no caminho eleito haverá liberdades? Traçar a estratégia antes da batalha é imprescindível para o êxito. Mexer nas possibilidades do tabuleiro, colocar-se como o observador e avaliador de si mesmo antes de qualquer coisa. Que riscos valem a pena correr? Que vida se quer viver? Com quem se quer viver? Qual o tipo de relação: guerra ou paz? Prazer ou dor? Certeza ou incerteza? Amor ou desamor?O que a verdade em sua transitoriedade é? É difícil acreditar que o mundo exista a partir de cada um de nós e que por isso somos todos interdependentes e realizadores do universo. É difícil ver nobreza, caráter, virtudes despretenciosas com tanto poder nos atiçando os sentidos. O sentido do significado é o que nos olha pela nossa própria compreensão. Somos o primeiro e decisivo passo ao significado de nossas vidas. Se queremos como observou Confúcio reformar o mundo , temos que primeiro dar três voltas dentro nossa própria casa, seja ela o ambiente próximo ou nosso próprio ser.