terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Minha mãe, minha professora

Minha mãe foi minha primeira professora. Sempre em nossas conversas lembramos dos anos em que ela lecionou numa escola rural de nossa cidadezinha. Ela foi a primeira pessoa a dizer que eu devia sair mais cedo da lavoura para ir para a aula de Educação Física. Essas aulas de forma cruel aconteciam às terças e quintas nas três horas da tarde. Então as duas horas meu pai me liberava e eu descia prazerosamente numa corrida, as trilhas que saíam em estradas que me levavam para a aula. Havia sempre beleza nos meus caminhos. Paisagens que me faziam parar ainda hoje reavivam minhas lembranças. Dizia que aquelas aulas eram para meu desenvolvimento. Minha doce mãe, minha professora foi daquelas mães de deixar a comida queimar no fogo para participar das nossas estripulias... minha mãe deixa saudade nas ausências mais breves. Toda vez que ela deprime não há como não deprimir junto... dias incontáveis, horas intermináveis de angústia e ansiedade pelo reestabelecimento de sua maternidade ímpar. Eu sempre gostei de encontrar ex-alunos dela. Gostava de ouvir deles o quão ela fez diferença no processo de sua alfabetização e nas suas vidas. Aos dezessete ela tinha alunos de trinta anos e adorava essa situação pois dizia que sempre saía aprendendo mais do que ensinava. Sua carreira durou pouco, as irmãs vieram para a metrópole, ele se casou e se viu na oportunidade de mudar de profissão. Fez alguns cursos e se tornou enfermeira (tradição familiar). Mas na alma de cuidadora está latente a professora. Sempre na sabatina... sempre foi um desespero para meu pai. Exímia dançarina ensinou-me o que ela chama de "valsa verdadeira". Também me ensinou bolero e forró e falava dos bailes que seu pai o Maestro Zacarias promovia na região. Minha partner se aventurava no rock e na lambada sempre num espírito de descontração contagiante. A mãe sempre gostou de dançar." Dançar me faz esquecer até de mim"- certa vez me confidenciou. Foi uma alegria o dia em que minha avó nos iniciou no cateretê. Numa expressão toda sua a mãe de minha mãe disse: vamos tirar o saci do ninho! E eu que nem sabia que saci vivesse em ninho...vi aos sons de palmas e pés ela dançar um cateretê com muito charme. Com voz de anjo e tendo um pai Maestro cantava muito mais que músicas de ninar. Aos domingos ela era do coral da igreja. Sempre fora. Vivaz, no último casamento que fomos juntos me deu o prazer de dançarmos. Tive uma infância de muitos privilégios. Minha mãe foi minha primeira professora. Antes de ir à escola ela já se sentava comigo com um livro nas mãos. Ela brincava que eu era tão forte que podia erguê-la do chão e de maneira discreta apoiava-se nalgum móvel e se erguia dizendo:_como você é forte! Ela dizia que certas árvores eram um convite para subir. Subi à copa de muita árvores. Na minha adolescência o pomar de casa era a extensão da escola. Sob abacateiros e mangueiras fiz muitas lições. Em muitas tardes quentes ela ia ao meu encontro com um suco de couve ou uma limonada. Mas o que eu gostava era de fazer chover laranjas: convidava um incauto a colher laranjas que eu jogaria da copa. Chegando lá em cima eu chacoalhava os galhos e tome laranjada na cabeça. Minha avó vinha acudir o povo e as laranjas que se partiam de alta queda. E moer cana e café? Tudo manual. Nós torrávamos o nosso café colhido no pomar e o moíamos ora no pilão ora no moedor. Muita garapa adoçava aqueles dias também. Minha mãe muito "sábia" ensinava que socar café no pilão deixava as mãos e braços fortes. Isso era. Nossos cafés da tarde rondavam sobre fábulas e charadas. Quando me neguei a comer animais mortos, ela muito maternal me deu um livro de receitas vegetarianas que guardo até hoje. E ainda hoje ela pergunta: _nem um peixinho?_Não minha mãe mas fique à vontade... Lembranças felizes da infância não me faltam. Tive uma infância feliz e nobre. Em muitas de nossas conversas seu tempo escolar de aluna e professora deixavam-na orgulhosa. Sempre participativa quando não doente, ela adorava jograis, dramatizações, danças, jogos... era como se por ter cinco filhos ela fosse cinco mães. Estava em tudo e com todos, com o mesmo carinho e orgulho. Nossa casa sempre foi cheia de música e dança. Que não tenha sido nossa última dança. Muitos bailes nos esperam e eu tenho muito para aprender.