sexta-feira, 22 de junho de 2007

Entre a usp e o cuspe

No começo era o verbo. O verbo era o poder. Porém todo começo tem seu antes. O que havia antes de nosso começo? Do que estamos falando? Filosofia? Religião? História? Sociedade? Estamos tratando de tudo isso: Educação. A educação começa na vida tribal, bem antes do ensino ser estruturado, bem antes de existir a escola e o professor e o aluno. Era época onde os mitos eram a própria realidade. Era nesse tempo em que não havia razão, mas todos seguiam esse saber mítico para explicar os mistérios e nortear suas vidas, que todos participavam da educação um do outro. Esses educandos e educadores não tinham uma saber ou uma especialidade preparatória. Não havia neles a pré-ocupação do futuro. Suas atitudes eram para o agora, o hoje. “Aprendiam pela vida e para a vida”.Com o crescimento da população, suas migrações para áreas pluviais, intensificaram – se a relações entre povos, surgiu a escrita, o comércio. O intercâmbio cultural e comercial foi início da sociedade antiga, onde se notou que o conhecimento era poder. E que o poder não é para todos. Começa-se o elitizar da educação num modelo que persiste até os dias de hoje.Hoje noto uma mudança de conceitos embora ainda da riqueza herdada pela elitização. A educação pública surgira como forma de “educação para servos”. Então tudo nela era montado para dar aos educandos o conforto de suas condições insinuando-se a proibição de avanços, mudanças, ou transformações sociais. Era uma forma de se assegurar a elite que ela nascida elite, seria elite até o fim. Esta por sua vez estudaria com os melhores mestres nas maiores escolas que o dinheiro pudesse construir e/ou comprar. Como hoje, naquela época as pessoas nasciam em condições de receber apenas um tipo de educação. E isso era determinado pela hierarquia social. É nojento. Felizmente houve as anomalias que contrariando o sistema imposto fizeram-se livres do determinismo dessa linha de produção educacional. Sim a educação é feita em escala, sob medida, numa linha de produção. Há uma empresa para isso, dirigida pelo poder, pelo dinheiro da elite.
O surgimento das universidades representa o ápice da do poder pelo saber. Surgidas as primeiras nos mosteiros, onde os filhos da nobreza eram educados segundo os dogmas clericais as universidades foram as corruptoras refinadas do direito humano ao conhecimento, restringindo-o à classe dominante. O título desse texto é um epitáfio para onde enterramos diariamente a educação. Diariamente quando validamos o valor do que nos desvaloriza. Quando permitimos a essa sociedade hipócrita que nos insulte com suas falsas excelências. Quando alunos e mestres, se não estamos numa usp estamos num cuspe. Algo que será escarrado em forma de profissional mas não terá seus lugar ao sol. As universidades federais hoje exigem uma preparação. Uma preparação que nenhuma escola pública de ensino infantil, fundamental e médio é capaz de prover. O que ocorre então? Não devia a universidade federal ser uma continuação do ensino público? Não. Onde está a elite? No poder. Você acha que alguém vai pagar uma faculdade quando pode dar a si mesmo e aos seus de graça? Se eu estivesse no poder não pagaria minha faculdade. E ainda criaria condições para que ela se tornasse a melhor. Top de linha, reconhecida internacionalmente. Com os recursos a produção cientifica e o ensino de qualidade trariam notoriedade e mais membros da elite se beneficiariam! Assim todo saber imediato à vida e a manutenção dos padrões nos salvaria da ascensão bárbara dos pobres. Qualidade! Isso é que a faz a diferença: as qualidades, os adjetivos mais que substantivos. Se eu estudo na “melhor” universidade, meu serviço especializado vindo dos tributos pagos pela plebe focará no atendimento da demanda da própria elite. Ou seja, trabalharei pouco e ganharei muito. Ou posso trabalhar mais e ganhar muito, mas muito mais. E se além de rico e inteligente eu for esperto, trabalharei também numa instituição pública! Lá terei várias funções pagas e nem precisarei ir a todas. Serei professor, coordenar, supervisor, chefe de algum departamento, e daí para cima. Ninguém notará que além dessas funções eu mantenho uma clínica ou escritório particular onde ganho com muito suor meu dinheirinho.
Sem contar nos projetos que a outras instituições fapespianas do governo podem me financiar. Sem contar nos projetos que posso lançar aos ministérios para arrecadar fundos para meus cursos, afinal sou professor!
Enquanto isso no mesmo planeta alguém que optou por estudar tem que sacrificar sua família, seus poucos recursos, seu trabalho desvalorizado pela sua condição. Você ganha isso porque estudou para ganhar isso –disse o chefe. Na realidade ele ganha isso porque não estudou. E por quê? Lembre da história acima, de como a elite se mantém no ensino público e a custas disso encarece seus preços e qualidade de seus serviços amparados pela especialização financiada pelo dinheiro público é uma excelência escravocrata, que não volta para a maioria da sociedade, o “Zé povão”. Aí proliferam as faculdades particulares, onde o ensino de qualidade depende do preço da mensalidade. Quanto mais cara melhor. E quem são os professores? Lembre da história acima, onde a multi-pessoa trabalha também respaldada num titulo alcançado sofridamente por anos de estudos. Sofridos anos de universidade pública onde ela pagou muito com seu precioso tempo. Ela poderia ter viajado mais pelo mundo, ido mais às grifs, mas não, ficou enfurnada numa sala de aula por anos, coitadinha. Uns 18 anos até o doutorado, uma vida inteira. Formados querem o retorno da moeda, do tempo perdido. Agora veja o outro lado da cédula velha que a história usa para nos comprar: o estudante da universidade particular. Trabalha de dia , estuda de noite. Ou vice-versa. Paga do próprio bolso a incapacitação social imposta: ou trabalha ou estuda. Estudar é em período integral. Sem contar que terá que estagiar. Então há o desdobramento da fatídica decisão: mudar a realidade ou não? Se sim ele terá que arcar pela escolha. Seu dia será curto se tiver 24h. Seu aprendizado estará comprometido se ele não cumprir com rigor a autodeterminação em estudar. E sua futura profissão estará sujeita à dupla jornada trabalho-estudo. É sofrido. Por isso governantes não investem em educação. A base, o ensino do infantil ao médio é vergonhoso. É para servos. Os donos dos servos pagam por uma educação real, menos preparatória e mais mantenedora de sua linhagem. Chego a pensar nos moldes da linha de produção da obra de A. Huxley, O Admirável Mundo Novo, somos criados pelos deterministas. Desse ovo nunca sairá a ave. A sua educação é uma herança genética, ou você nasce para uma usp ou lhe ensinarão que você nasceu para o cuspe.