segunda-feira, 2 de junho de 2008

Entre a tradição e a experiência pessoal

As artes marciais, os esportes de luta e combate são um legado. Nos dias de hoje há nessas artes e esportes um conflito visível que vai moldando uma nova prática. Uma nova identidade? Talvez uma renovação, uma atualização. Esse conflito é : inovação X tradição. Os reformadores têm o mesmo princípio que motivou os " fundadores ": a sobrevivência. A pergunta é a mesma: lutar para quê? Se antigamente para se proteger, proteger a família e o país, hoje a sobrevivência depende pouco de fatores bélicos e de habilidades nas artes guerreiras. Então há uma quebra de paradigmas. Os reformadores se matem na filosofia, mudando o externo, a forma. Dando mais vazão à experiência pessoal do que seguindo uma tradição. Entretanto um estudo mais apurado dessa relação no seio das artes tradicionais mostra que o fim é nada menos do que um devir que culmina na expressão de si mesmo. Ou seja na experiência pessoal. A tradição é um livro a ser lido, estudado, consultado para as inovações necessárias e inevitáveis pela mudança dos tempos. O que ocorre é o esquentamento acirrado de uma disputa para ver quem tem razão. Os tradicionalistas dizem que as artes marciais estão deixando de ser combativas e se tornando um balé, ou focando apenas em autodefesa, ou se tornado esportes cheios de regras, desvalorizando o legado. Os reformadores dizem que depois das armas de fogo e novas exigências das relações humanas, não há espaço para combates reais, lutas onde o corpo é sacrificado esteticamente em função de armas que o degeneraram e são inúteis no mundo de hoje, relêem o legado. De fato algumas das novas abordagens nasceram de rompimentos na estrutura familiar dessas práticas. O bom aluno se emancipa e quer fazer valer seu ponto de vista. Surgiram assim uma infinidade de escolas sendo que isso não é novidade. Ocorria há muito tempo. A repetição é uma marca do homem na história. Ela mostra como somos cíclicos e como não aprendemos corrigindo os erros do passado. Há nos reformadores a presença desse discurso de não repetir o passado. A tradição representa uma fé cega. Eles pontuam que suas abordagens surgiram da experimentação e da reflexão dentro de suas práticas tradicionais. Um ótimo explo é a reportagem exibida de ontem 01/06/2008 pelo programa Fantástico. A repórter e sua equipe fizeram uma matéria alertando sobre a explosão do Muay Thay entre crianças, incentivadas pelos pais. Entretanto a mesma reportagem foi motivada pelo crescimento do número de praticantes dessa modalidade na Europa. Muay Thay é um método tailândes de arte marcial caracterizado pela dureza de sua prática. Isso é tido aqui no ocidente como violência. Para uma cultura onde somos auto-indulgentes com o corpo tudo pode machucá-lo. O fato é que essa reportagem bipolarizada focou no aspecto da violência, que é o que mais vende notícia hoje. Descartaram o processo da tradição e da experiência pessoal. Desprezaram a cultura onde essa luta foi desenvolvida, a época e sua evolução. No oriente assim como no ocidente essas práticas de luta têm um caráter educativo. Elas fazem parte da Cultura Corporal de Movimento. São ferramentas. E podem ser mal utilizadas. Entre reformadores e tradicionalistas há uma convergência no reconhecimento dessas lutas como importantes na formação integral do ser humano. Elas estão recheadas de valores que são exercitados fisicamente na relação entre aluno-professor-classe-sociedade. A evolução é natural e não pode ser impedida. E esse conflito merece um novo olhar. Como em todo conflito há o potencial de transformação e ela virá do melhor jeito. Merece uma " e " em vez de " ou ". Inovação e tradição.