terça-feira, 20 de novembro de 2007

A dança sem a coreografia

Se é a música que eu gosto, danço! Não há forma melhor de demonstrar gosto ou sentimento do que se mover no sentido daquilo que se gosta ou se sente. Mais que demonstrar, deixar-se permeável pelo momento e expressar a si mesmo de uma forma autêntica e vivificante. A dança é poderosa. Fascinante enquanto forma de comunicação e expressão. Há um mito que a dança se contrói a partir da música. Mito que desmoronou quando vi surdos dançando ao toque de rajadas de vento, pressão de ar e de mãos sobre seus corpos. Talvez possa chamar de música o ritmo impresso pela cinestesia, pelo toque levante e acolhedor de um corpo amigo. Isso criou em mim um interesse pelo lado secreto da dança, o lado de dentro do dançarino. O que ele sente? O que a música leva para ele? Ele se expressa? Ou alguma ideologia se expressa através dele? Penso nos vários estilos e formas de danças. Desde um ballet contemporâneo até as danças circulares tiram de mim brilhos de admiração. Como o ser humano pode ser tão versátil? E como essa versatilidade convive com tanta limitação, pobreza e exclusão? Cada dança tem seu propósito. Certa vez estive envolvido com coreografias de dança do ventre e me deparei com diversas subdivisões e modalidades dentro dessa que parecia vista de longe ser uma modalidade de dança a mais. Ledo engano. Fascinado em pesquisar movimentos de luta e dança notei algo ligado nelas , um grude ancestral: a coreografia. Quando se dança a dança sempre é coreografada. Ou seja, seus movimentos são encadeados harmoniosamente dentro de um contexto. Então lanço uma reflexão a partir da coreografia: como a dança pode ser expressão de liberdade presa a coreografias montadas por alguém com um propósito específico? Nas festas, comemorações sempre tem alguém puxando uma coreografia copiada por todos, que se satisfazem plenamente se copiarem direitinho. Nas lutas a coreografia recebe o nome de forma e tem o sentido de fôrma. Quanto mais repetida a forma, mais rica em detalhes será a prática da luta, posto que, nas formas estão codificados ensinamentos em forma de movimento. Ou seja a coreografia nas lutas segue uma tradição , preserva sua acenstralidade como forma de resguardar conhecimentos. Daí as ditas formas tradicionais serem tão importantes para o correto aprendizado das artes marciais. Na dança também há tradições que remontam rituais de várias culturas, crenças e celebrações de toda ordem sendo uma linguagem passada de geração à geração pelo gestual através de músicas e movimentos significativos para cada época e cada sociedade. Temos hoje um repertório riquíssimo de conhecimentos a partir da dança. Uma herança cultural que não pode ser diminuída pela repetição, pela ação sem reflexão. O repetir , a padronização dos movimentos, a massificação do gestual sem se saber o porquê e o para quê fazem com que a dança seja vista como atividade física, expressão da sensualidade e extravasamento emocional. Tudo setorizado por um tipo de música conveniente à mensagem coreográfica. Esse apego às coreografias, tão limitantes da criatividade atualmente, mostra o baile nas nossas cabeças com nossos pensamentos devidamente coreografados. Isto posto, experimento uma dança livre, com seus movimentos ancestrais, porém com propósitos nobres de elevação do ser humano. Nada de coreografia. Coreografar é simplificar. É possível malhar o corpo pela dança. Arejar pela dança. Há um aspecto da coreografia que deve ser exaltado: é uma referência para a liberdade e criatividade. Pode ser um livro feito de movimentos a ser consultado como dicionário, donde se tira além das formas o significado para a criação. O velho caminho precisa ser conhecido antes que se percorra os novos, afinal. Mas mesmo os modelos precisam ser descartados, encarados como meios e não fins em si mesmos.
O corpo precisa de umas complexidades, umas questões a serem resolvidas com movimentos. O corpo precisa ser criativo! Chega de padrão, repetição, imitação! Dança sim, coreografia...não. Dançar é um prazer. Que prazer se faz sem liberdade?