quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A ética e o corpo

Como eu tenho tratado meu corpo? Tenho nutrido, tenho descansado, tenho dado a ele atividades nobres e recreativas, tenho dado a ele consciência? Tenho tido uma relação de qualidade com ele? Tenho respeitado? Como eu tenho me educado sendo este corpo?

Quando nascemos , nascemos numa sociedade com sua moral vigente. O corpo nasce e cresce numa fôrma de comportamentos e gestos impostos como aceitáveis. E mente segue o corpo. A mente se desenvolve sem inquirir, numa caixa, tendo-se como conteúdo e expressão de uma natureza mais íntima e subjetiva. O que ou quem faz a nossa cabeça? O que ou quem faz o nosso corpo?

Hoje somos bombardeados por estímulos e informações de toda sorte. Não há tempo para reflexão, digestão e mesmo apreciação do tipo de vida que temos vivido. Estamos num fluxo no meio da manada. E se pararmos, somos pisoteados por ela. Na manada somos iguais. Temos um comportamento ditado por alguma liderança a qual seguimos conscientemente ou não. Temos a necessidade da manada, a necessidade de pertencermos, a necessidade de sermos aceitos. A força está em estarmos na manada. É a nossa proteção. E uma das falas mais repetidas é o do contato. Que tipo de contato? O que te promove. O do tipo abre-portas. Conserve seus contatos, e cultive novos. Escore-se na vida social para obter sucesso profissional. Estamos em constante contato, mas um contato que muitas vezes nos distanciam de nós mesmos. Temos a tendência de seguir e de agradar, somos servos dessa tendência. E o corpo, por onde anda nosso corpo? O que ele tem experimentado?

O corpo recebe. Recebe tudo. E chega uma hora que ele transborda, que não contém. Nele já não cabe nem os encantamentos dos pequenos detalhes da vida. Ele está esgotado pelo esquecimento bipolar: excesso ou falta de zelo. O corpo adoece, e morre quando a mente adoeceu e morreu primeiro. Quando uma mensagem subliminar do caos se instaurou via sociedade no âmago do ser. E ele sem autonomia, sem onda própria fez a vida uma repetição de movimentos, de sentimentos de pensamentos em busca de alguma segurança e conforto. O corpo é a primeira voz. O primeiro som é o romper da vida nos primeiros momentos de formação do ser humano a partir do próprio corpo.

Nossa relação com o corpo se dá pelo prazer que buscamos e pela dor que evitamos. Poucos camaradas querem ir além. Querem uma visão holística e transcendente. Vejo no curso de E.F como lidamos com nossas emoções presas na entidade corpórea. Somos um emaranhado de incetezas e indecisões perdidos entre as próprias escolhas. Então não é raro vermos professores e estudantes de EF deteriorando-se por hábitos poucos saudáveis. Eles não vivem a própria Educação Física. Não se educam. Desrespeitam-se e aos outros. Tudo num clima de descontração, bagunça solidária, indiferenças. Estão cursando, aprimorando-se no como deixar os preconceitos rentáveis, a falta de ética aceitável, e a indisciplina agradável. Talvez um curso de E.F seja um apontamento do quão degradado e sem valores anda o espírito humano.

A ética implica em reflexão, em crítica. É difícil definir o que seja ético por que estão no alicerce valores construídos e valores em construção. Vale lembrar que devido a esse caráter subjetivo, a ética pode não estar de acordo com a moral vigente. Moral social, ética pessoal. Bem, então desse pressuposto a moral é feita pela congruência ética da maioria numa sociedade. O que temos de moral, foi decidido por outrem numa tentativa talvez ética, de controle, de supressão de alguma desordem ou caos. E o corpo e seu comportamento podem liberar nosso pensamento, podem clarear nossa idéia a respeito de nossas escolhas: escolhemos ou somos escolhidos? Escolhemos ou alguém escolhe através de nós?

Cuidemo-nos cuidando do corpo. Lembro que Platão compara o Estado ao corpo humano: cabeça, os governantes; o peito, soldados; o baixo-ventre, trabalhadores. Oras carambolas! Não é o corpo um Estado do Ser ou o próprio Ser em seu Estado de ser? Cuidemos daquele que em nós nos governa, nos protege e nos faz.

A banalização do corpo é a banalização da consciência e da vida. Refletir com alguma criticidade a respeito do que a moral tem feito com nossos corpos no decorrer do tempo, refletir sobre como temos recebido e expressado essa herança nas dimensões social, biológica e cultural, isso sim fará a diferença. O que pode mudar nossos corpos é o exercício da conscientização. Quanto mais forte a "consciência do corpo", maiores e mais significantes são as mudanças. Maior e mais significante é a vida.